segunda-feira, 30 de julho de 2018

Dois modos de passar por aqui

Narciso, amante das catalogações, cientista, pensador. Goldmund, amante da natureza, sedutor, artista. Estes dois homens tão diferentes, opostos no jogo de artifício de Hermann Hesse (1877-1962), sentem-se atraídos um pelo outro. A um falta o que o outro tem.

O beijo de uma cigana e um conselho de Narciso encetam a errância de Goldmund na busca de si através dos sentidos, da sensualidade e da arte, da relação com os outros e da forma que os materiais ganham sob o trabalho das suas mãos.

É Goldmund quem encontra a mãe primordial, essa que sempre procurou e que nunca conseguiu representar, essa que dá um sentido à sua existência e que o chama de novo para dentro de si. No fim, pergunta ao amigo: «Como poderás morrer um dia, Narciso, se não tens Mãe? Sem Mãe não é possível amar. Sem Mãe não é possível morrer.» Não morre quem nunca viveu.


Título da edição lida: Narciso y Goldmundo
Autor: Hermann Hesse
Data da obra original: 1930 (Narziss und Goldmund)
Editora: Editorial Sudamericana
Tradutor: Luis Tobío

segunda-feira, 23 de julho de 2018

Também Asperger

Em homenagem aos seus estudos de psicopatia autista, Hans Asperger (1906-1980) tem hoje o nome associado a uma síndrome pertencente ao espectro do autismo: a síndrome de Asperger. Mas este famoso psiquiatra infantil, director da Clínica de Educação Curativa da Universidade de Viena no período da anexação alemã,  mostrava-se no início da carreira avesso a diagnósticos e acreditava que a atenção e o cuidado necessários davam oportunidades de desenvolvimento a qualquer criança.

Entretanto, e num intervalo temporal bastante curto, as ideias nacional-socialistas foram-se tornando manifestas no conteúdo e na retórica dos seus textos. A partir de certa altura começou a defender que algumas crianças, pela sua associabilidade, eram casos perdidos e um fardo para a comunidade germânica (Volk). Hoje sabe-se que Asperger contribuiu para o programa de 'eutanásia' infantil levado a cabo no Terceiro Reich, tendo enviado, directa e indirectamente, várias crianças para a clínica de Spiegelgrund, onde algumas eram "educadas" e outras eram sujeitas a experiências científicas e paulatinamente debilitadas com barbitúricos até morrerem.

Há quem defenda que Asperger  não teve opção e que muitas das suas decisões foram até no sentido contrário, de proteger crianças em perigo.  Mas isso não justifica as que ele tomou com base no seu diagnóstico de "criança não educável". Asperger, que teve mesmo a coragem de não se inscrever no partido nazi nem de abandonar a prática católica durante todo o Terceiro Reich, nunca pôs em causa o regime e agiu sempre por moto próprio. Várias funções a que se foi candidatando exigiam uma atitude eugenista e ele sabia-o.


Título: Asperger's Children - The origins of autism in nazi Vienna
Autor: Edith Shaffer
Data: 2018
Editora: W. W. Norton & Company

Porventura

Empresários, advogados, médicos, economistas, jornalistas, ex-futebolistas, adeptos, adeptos, adeptos..., há comentadores da bola para tod...